Neste semestre estou tendo aulas incríveis sobre patrimônio no mestrado. Na aula de ontem uma colega apresentou o conteúdo do dossiê do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) sobre o Ofício das Baianas de Acarajé.
Antes de contar para vocês o grande insight da colega que apresentava e da discussão fervorosa que se seguiu, algumas informações básicas para que ninguém fique com dúvida.
O IPHAN é um órgão público nacional responsável por identificar, catalogar e proteger os patrimônios nacionais. Estes patrimônios podem ser físicos/materiais (edifícios, lugares, cidades, etc) ou intangíveis/imateriais (música, arte, saber fazer, festa, etc). Por muitos anos a preocupação do IPHAN em tombar e preservar foi apenas dos patrimônios materiais brasileiros, isso apesar de um de seus idealizadores, Mário de Andrade, expressar na década de 1930 a importância que teria o registro das inúmeras expressões culturais que caracterizam o Brasil… Ou seja, apesar do IPHAN ter sido fundado em 1937, apenas em 2000 começaram a ser feitas as primeiras pesquisas, registros e salvaguardas dos patrimônios intangíveis brasileiros.
Mas não é apenas o IPHAN que realiza este trabalho, existem também departamentos normalmente relacionados às secretarias de cultura dos estados e municípios que realizam este trabalho de tombamento/registro de bens materiais/imateriais importantes para aquelas comunidades. No caso de São Paulo, temos no estado o CONDEPHAAT e no município o Conpresp e o Departamento do Patrimônio Histórico.
Agora, em relação ao registro de certos alimentos, caminhamos ainda a pequenos passos. O IPHAN só oficializou o registro, como dito acima, do Ofício das Baianas de Acarajé (é importante frisar que o registro é do MODO DE FAZER, relacionando a origem, a religiosidade e a importância social do ofício) e além deste, o Modo artesanal de fazer Queijo de Minas, nas regiões do Serro e das serras da Canastra e do Salitre. Um outro registro não especificamente de alimentos, mas correlato é o Ofício das Paneleiras de Goiabeiras, que registra o saber envolvido na fabricação artesanal de panelas de barro no bairro de Goiabeiras Velha, em Vitória, no Espírito Santo. Este foi aliás o primeiro registro de bem imaterial do IPHAN e também é um dos únicos que já possuem o dossiê e plano de salvaguarda.
Estão atualmente com os processos de registro em andamento o Modo de Fazer Tradicional da Cajuína do PI e a Região doceira de Pelotas – RS, como também já há inventários realizados sobre o Tacacá e a Farinha de Mandioca do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular do Pará que podem render um processo de registro futuro.
Já deve ter gente se revirando perguntando: e a feijoada? e o empadão goiano? e o virado à paulista? e tantos outros pratos que consideramos emblemáticos, representativos de nossa cultura? Pois é, foi aí que começou a nossa discussão…
Essa colega apaixonada pela gastronomia e, assim como eu, pelo ensino da gastronomia levantou a bola: nós, professores e pesquisadores da gastronomia temos que atuar nesta frente. O material elaborado pelo IPHAN (dossiê) é um exemplo claro de como a pesquisa de um simples prato desenrola os pormenores culturais e especificidades do povo envolvido durante todo o processo de criação e evolução do mesmo. Porque não utilizar esse modelo como base em sala de aula? Lindo! Mas como mostrei acima, não temos praticamente nada do tipo feito até agora…
Por sugestão da professora ficou a idéia: incentivar entre colegas, alunos e profissionais o trabalho da pesquisa desses pratos e ingredientes. Quanto mais pessoas apaixonadas se preocuparem em estudar a fundo esses pratos estarão automaticamente fortalecendo e realmente criando a gastronomia brasileira, reconhecendo a si próprios como nação através de sua comida.
Nações como a França e a Itália realizam movimentos de preservação de alimentos, ingredientes e receitas há muitos anos – não é à toa que são referência quando se pensa em gastronomia. O Brasil está a anos luz de distância, mas ainda há chance de corrermos atrás.
Então faço a minha parte, estou no mestrado, estudando e pretendo continuar pesquisando para o resto da minha vida. Eu convido vocês, colegas professores, pesquisadores, apreciadores, entusiastas, amantes da nossa cozinha brasileira. Pesquisem, levem a sério. Vamos à fundo, vamos além. E vamos criar e proteger a nossa gastronomia!! E tenho dito!!